29 de outubro de 2025 - 10:24
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Jornalista Jourdan Amóra, símbolo da imprensa fluminense, morre aos 87 anos

Diretor de A TRIBUNA e referência do jornalismo independente, Jourdan Amóra transformou a notícia em missão e a cidade em personagem de suas páginas.

Morreu na manhã deste domingo (19), por volta das 10h30, o jornalista Jourdan Amóra, diretor do jornal A TRIBUNA. Ele estava internado há cerca de duas semanas no Complexo Hospitalar de Niterói (CHN) e faleceu em decorrência de falência múltipla dos órgãos.

Figura central da imprensa fluminense e apaixonado pela palavra escrita, Jourdan Norton Wellington de Barros Amóra fez do jornalismo não apenas um ofício, mas uma forma de resistência e amor à cidade que escolheu para viver. Nascido em Araçuaí, no norte de Minas Gerais, em 6 de maio de 1938, e criado entre Petrópolis, São Gonçalo e Niterói, Jourdan cresceu cercado por livros, ideias libertárias e o som das antigas tipografias.

Mais que um repórter, foi um intérprete de seu tempo — um homem movido pela curiosidade, pela ética e pela crença inabalável de que “liberdade de imprensa é direito do povo, e jornalismo independente é conquista do leitor”, frase que repetia como lema de redação.

O despertar da vocação

Filho de Geographo Barros Amora e Maria Neiva Tanure Amora, Jourdan revelou cedo sua vocação para a escrita. Ainda aluno do Liceu Nilo Peçanha, encantava-se com as aulas do professor Geraldo Reis, que o desafiava a redigir textos a partir de imagens — exercício que o ensinou a ver “além da superfície”.

Aos 14 anos, lançou seu primeiro jornal, o Praia das Flechas, dedicado à vida social do bairro. Pouco depois, fundou a Folha Juvenil e já demonstrava traços do jornalista persistente e inquieto que se tornaria. Seu envolvimento com o movimento estudantil levou-o à presidência da Federação dos Estudantes Secundários de Niterói (FESN), além da criação do jornal A Voz da FESN. Ali consolidou a ideia de que informar era também um ato político e cidadão.

Os anos de formação e a coragem das primeiras pautas

O início da carreira profissional aconteceu na década de 1950, em um Brasil politicamente fervilhante. Jourdan colaborou com A Palavra, Diário do Povo e Diário do Comércio, além de assinar reportagens para as sucursais fluminenses da Última Hora, Diário Carioca e Jornal do Brasil.

Logo ganhou fama pela coragem e pela profundidade de suas pautas. Repórteres veteranos diziam que, para ele, “não havia pauta impossível“. Entre seus trabalhos marcantes estão a cobertura no leprosário Tavares de Macedo, em Itaboraí, e a trágica reportagem sobre o incêndio do Gran Circo Norte-Americano, em 1961 — um episódio que o marcou pessoal e profissionalmente e se tornou referência de cobertura humanitária.

A TRIBUNA: o sonho em linotipo e resistência

Em 1965, após ser demitido do Jornal do Brasil sob acusação de “subversão”, Jourdan optou por transformar a adversidade em projeto. Comprou o pequeno diário A TRIBUNA, à época o menor entre os sete jornais de Niterói, e decidiu reconstruí-lo a partir de um ideal: fazer um jornal livre, plural e combativo.

A redação, modesta e marcada pelo barulho do linotipo, logo se tornaria um espaço de efervescência intelectual. Com recursos limitados, mas convicção infinita, Jourdan transformou A TRIBUNA em referência de independência editorial. “Enquanto houver cidade, haverá pauta — e enquanto houver pauta, haverá Tribuna“, dizia.

O compromisso com a verdade trouxe reconhecimento, mas também riscos. Em 20 de abril de 1972, após publicar uma série de denúncias contra a administração do então governador Geraldo Padilha, Jourdan foi preso na própria redação por agentes da DOPS. No dia seguinte, a capa do jornal estampava apenas uma palavra: “Libertas?” — um símbolo da resistência da imprensa fluminense durante a ditadura.

O empreendedor de ideias

Visionário, Jourdan buscou inovar continuamente. Em 1972, criou o Jornal de Icaraí, primeiro periódico gratuito entregue porta a porta em Niterói, concebido para aproximar o jornalismo das comunidades. Anos depois, lançou a revista Tela (1983) e o semanário A TRIBUNA de São Gonçalo (1990), consolidando sua atuação também na imprensa regional.

Sempre atento à modernização tecnológica, foi um dos primeiros defensores do sistema “ofício-set” e da atualização gráfica das redações do interior do Estado. Sua inquietude intelectual o manteve ativo até os últimos anos, debatendo, orientando e inspirando novas gerações de jornalistas que passaram por A TRIBUNA e pelo Jornal de Icaraí.

Legado de tinta e liberdade

A trajetória de Jourdan Amóra confunde-se com a própria história do jornalismo niteroiense. De jovem estudante a símbolo da liberdade de expressão, transformou o ato de informar em missão de vida, ultrapassando a simples narrativa dos fatos para alimentar a consciência coletiva de uma cidade.

Entre cadernos, linotipos e manchetes, deixou mais que um legado profissional — deixou um exemplo de coerência e coragem.

Jourdan Amóra (1938–2025) viveu pelo jornal e para o jornal. Sua voz ecoa em cada linha impressa que defendeu com a vida inteira: a de que só há democracia onde há imprensa livre.

 

 

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