Em ofício recente expedido à Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional do Rio de Janeiro (Iphan), o Ministério Público Federal (MPF) questionou se já houve instauração de procedimento para alterar a nomenclatura da “Coleção Magia Negra”, primeiro acervo etnográfico tombado pelo Iphan, em 1938.
O tombamento foi feito durante a ditadura do Estado Novo, período marcado por grande repressão e discriminação contra as religiões de matrizes afro-brasileiras, razão pela qual a escolha para o nome do acervo foi contaminada pelo olhar racista e preconceituoso da época.
Em 2017, o MPF instaurou um inquérito civil (n.º 1.30.001.003468/2017-16) apontando o dever do Estado de evitar violações aos direitos e garantias fundamentais, assim como a proteção e promoção da diversidade cultural e pluralidade religiosa. Após três anos de negociações, em 2020 o acervo de mais de 200 peças foi transferido do Museu da Polícia Civil para o Museu da República e passou a funcionar em gestão compartilhada entre o museu e religiosos, conciliando pesquisas e estudos à exposição do acervo.
De acordo com decisão dos religiosos integrantes do Grupo de Trabalho Gestão Compartilhada do Acervo Nosso Sagrado, a coleção precisa ser renomeada. Para a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, autora do pedido, “a mudança da nomenclatura se afigura necessária como medida reparatória e se destina a conciliar a integral proteção do acervo com os objetivos previstos na Constituição Federal, quais sejam, de erradicar a marginalização, o preconceito, o racismo e a discriminação baseados em motivos religiosos, bem como o de construir uma sociedade livre, justa e solidária e cujo fundamento está assentado na dignidade da pessoa humana”.
Nesse sentido, a designação da coleção deve estar “livre de proposições ou abordagens que perpetuem estereótipos e estigmas historicamente utilizados pelo Estado brasileiro para manter indevidas hierarquizações e inferiorizações baseadas nas orientações religiosas de seus cidadãos”. Assim, como medida de reparação e de forma a contribuir para o enfrentamento do racismo religioso e da intolerância religiosa, a coleção deve passar a ser chamada de “Nosso Sagrado”, acrescenta a PRDC.
As peças foram apreendidas pela polícia entre 1889 e 1945 e a recente transferência do acervo para o Museu da República é uma conquista do Movimento Liberte Nosso Sagrado.